sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O que Capitu teria dito antes de partir

"(...) É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar

Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante

Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu

No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, o vício
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar (...)"

Capitu, de Luiz Tatit

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"O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
- E era inocente, vinha eu dizendo rua abaixo; - que faria o público, se ela deveras fosse culpada, tão culpada como Capitu? E que morte lhe daria o mouro? Um travesseiro não bastaria; era preciso sangue e fogo, um fogo intenso e vasto, que a consumisse de todo, e a reduzisse a pó, e o pó seria lançado ao vento, como eterna extinção..." (p. 171).

- Agora sei que a injúria lançada não é explicada por uma convicção sincera... mas pela sua covardia. Sim, és covarde! Os ciúmes não foram provocados pela semelhança entre Ezequiel e Escobar... é ilusão. Não suportas a minha força... e repulsas a idéia de ter sido submissa a outro.

"Ao cabo de alguns meses, Capitu começara a escrever-me cartas, a que respondi com brevidade e sequidão. As dela eram submissas, sem ódio, acaso afetuosas, e para o fim saudosas; pedia-me que a fosse ver." (p. 177).

"Agora, porque é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada." (p. 183).


La magie noire, de René Magritte

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ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 30 ed. São Paulo: Ática, 1997.